A Construção Sustentável na área metropolitana de Lisboa

A Construção Sustentável na área metropolitana de Lisboa

Entrevista com o Engenheiro do Ambiente Tiago Rogado

O sustentável não é mais do que tentarmos compatibilizar o nosso bem estar enquanto utilizadores, moradores, utilizadores do espaço de lisboa, com soluções que sejam menos impactantes para o ambiente.

Ana Jara – Tiago Rogado, como é que poderia definir o momento actual de transformação de Lisboa?

TR – Se estivermos a ver numa lógica urbanística nota-se uma explosão a olhos vistos,  em toda a zona de Lisboa. O que nós sentimos numa vertente mais ambiental é que os desafios são enormes porque existe um aumento de legislação, um aumento de procedimentos que têm que ser cumpridos. O ambiente, a análise ciclo de vida, a economia circular, a gestão de resíduos são assuntos que cada vez mais estão na ordem do dia. A eficiência energética e a eficiência hídrica também, em função das alterações climáticas e o que eu sinto é que, claramente, nós, cá em Lisboa, temos que dar respostas nas várias valências e nos vários profissionais. Os Engenheiros do Ambiente estão preparados para isso.

LC – Já está a responder à nossa segunda pergunta, que tem que ver com como é que a engenharia do ambiente se relaciona com a reabilitação urbana.

TR – Esse é que é o grande desafio para o qual o Engenheiro do Ambiente, sinto eu, que se tem de preparar e já tem estado preparado desde que saiu a legislação sobre gestão de resíduos de construção e demolição em 2008. Há cerca de 10 anos os engenheiros do ambiente foram chamados para trabalhar numa óptica só de planos de prevenção de gestão de resíduos. Hoje em dia, as respostas e as dificuldades que surgem obrigam o engenheiro do ambiente a ter que trabalhar em equipa, equipas multidisciplinares, em que perceba quais é que são os materiais mais sustentáveis, qual é que será a escolha dos materiais que tenham um menor impacto ambiental, o que tem o menor impacto em matéria de aquecimento global. Tem que trabalhar juntamente com engenheiros civis e arquitectos, nas ópticas relacionadas com as eficiências hídricas, em matéria de eficiência energética, em instalação de painéis solares térmicos, painéis solares fotovoltaicos, utilização de águas pluviais, que possam ser utilizadas aquelas que são chamadas como águas cinzentas, ou seja, ser feito também algum reaproveitamento de água, que hoje em dia é um luxo. Nós, em Portugal, temos uma água para consumo humano que é utilizada só para as nossas instalações sanitárias. Portanto temos uma lógica aqui de pensarmos em projecto, pensarmos em novos materiais, e não pensarmos só em fim de vida, enquanto gestão de resíduos. Nessa área também nós temos muitas obrigações legais, em que os aterros sanitários é para ser esquecido como sendo um destino final considerado adequado. Temos que pensar noutras soluções, outro tipo de soluções que nós temos de entender que os resíduos não sejam resíduos mas se calhar um novo produto. Nada se perde, tudo se transforma.

AJ – E nessa primeira parte de que nos falou, dessas preocupações todas que podem ser introduzidas, como se reabilita, como se reabilita uma quantidade de edifícios, e que podem reflectir sobre a forma da cidade, de uma forma mais sustentável, mais ambientalmente cuidada, acha que isso está a ser feito?

TR – Com avanços e com recuos. O que se nota é que o saldo tende a ser ligeiramente positivo, agora o que nós sentimos é que as populações cada vez estão mais informadas, os efeitos climatológicos fazem-se sentir. Hoje em dia nós temos que pensar em é melhor ser a bem do que ser a mal, pensarmos em novas soluções que… enfim, fora aquilo que nós pensemos como sendo o sustentável. O sustentável não é mais do que tentarmos compatibilizar o nosso bem estar enquanto utilizadores, moradores, utilizadores do espaço de lisboa, com soluções que sejam menos impactantes para o ambiente. E isso é que é considerado ser um efeito sustentável. Em Lisboa vemos boas soluções, vemos de vez em quando um show-off de várias medidas que se calhar possam ser bonitas para um cliente. O que nós queremos ver é que efectivamente seja bom para o cliente, seja bom para o utilizador, seja bom para quem utiliza os espaços públicos e também os espaços privados. O que entendemos claramente é que há várias medidas em concreto, em projecto, em obra, em fiscalização que podem e devem ser implementadas para procurarmos minimizar todos estes impactos ambientais que temos sentido à escala global ou então mesmo na escala local.

Ana Jara – As licenças de demolição aumentaram 280% desde 2013. 8 licenças em 2013 para 203 em 2017. Como é que olha para as demolições, associadas às obras de reabilitação e que repercussões têm no ambiente?

TR – Eu acho, antes de mais, que o grande desafio é, em primeiro lugar, deixar de pensar em como sendo demolições e começarmos a pensar em desconstruções. Porque ao demolir, nós propriamente o que estamos a pensar é deitar algo abaixo e depois logo se vê. Quer nós queiramos quer não, sempre foi assim um bocadinho nas soluções de engenharia, de arquitectura, o transportar para vazadores, algo assim, portanto, materiais. Ou então andarmos à procura de materiais ou terras sobrantes, alguma coisa assim. Temos que pensar num novo paradigma. E o novo paradigma é como nós sabemos, temos vários tipos de materiais disponíveis, temos a hipótese de alguns dos materiais reaproveitarmos e podermos incorporar dentro de um produto, ou, imagine, dentro de centrais de britagem, centrais de pavimentos betuminosos. Ou estarmos a reincorporar novamente resíduos como sendo um material que possa ser substituto de alguns outros materiais conseiderados nobres, madeiras maciças, etc. Quando nós fazemos uma descontrução estamos claramente, logo à partida, a tentar poupar dinheiro em projeto, procurar garantir que alguns dos materiais que têm uma vida útil ainda muito prolongada no tempo, que não possam simplesmente ser abandonados, ser encaminhados para outros locais, como sendo os aterros conforme referi anteriormente. O grande impacto que nós sentimos [é] quanto mais construção, mais resíduos, mais materiais, mais exigências, mais consumos de água, mais consumos de energia. Tudo isto tem um impacto que nós poderemos minimizar e acima de tudo alterar o paradigma, pensando em: vamos procurar desconstruir, vamos procurar seleccionar materiais mais duráveis, menos agressivos para o ambiente, e que sejam acima de tudo menos dependentes do petróleo. Que é isso que nós estamos aqui a procurar ter, mais e ser mais saudável. É esse o nosso objectivo.

AJ – E estamos próximos disso? Como é que vê a cidade daqui a 10 anos?

TR – Eu, enquanto utilizador da cidade, gostava de ver aquela visão que o grande pai da arquitectura paisagista, o Arq. Gonçalo Ribeiro Telles sempre disse que nós deveríamos todos seguir, e acho que foi a partir daí que toda a escola, não só de engenharia do ambiente como de arquitectura paisagista e outras áreas e outras classes devem seguir. É procurar com que a cidade, e acima de tudo o urbanismo, se procure integrar na paisagem e não ao contrário. Esperemos com que todos estes desafios, estas necessidades possam colocar, que dentro de 10 anos nós possamos ver mais áreas verdes, mais corredores verdes, zonas d e ligação e de contacto com utilizador, com o rio que nós temos, com a foz, com as zonas de serra que nós temos aqui próximas, ou as zonas de parques, ou com a zona do Monsanto. Procurarmos acima de tudo criar ecovias, pistas cicláveis. Procurarmos acima de tudo dar conforto e utilização a estes espaços. É isso que a Engenharia do Ambiente procura ter, é fazer um bocadinho parte da solução que é termos novas soluções. E é isto que eu espero dentro de 10 anos. Se vai acontecer ou não, não sei porque a evolução é tão rápida, as soluções são tão rápidas, mas o Arquitecto Gonçalo Ribeiro Telles sempre disse aquilo que era o necessário, que são estas as soluções e as visões que devem perdurar no tempo.

 

LC  – Da sua experiência quer como projectista ou acompanhante de projectistas, arquitectos e engenheiros, e mesmo na Associação Portuguesa [de Engenharia] do Ambiente, qual é que é a receptividade dos Arquitectos e como é que vê esta relação Arquitectos / Engenheiros do Ambiente. Porque aquilo que disse, parece-me que também será uma preocupação de muitos Arquitectos, ou seja, parece uma verdade de La Palisse, queremos todos desenhar um melhor ambiente, melhores parques, melhor cidade, melhor espaço público, melhores habitações. Como é que vê esta relação, o que é que acha que pode acontecer ou que ainda não aconteceu, da sua experiência?

TR – Sendo muito pragmático, o que eu senti foi, a partir de 2006, quando sai o Regulamento do Comportamento Térmico dos Edifícios, o RCCTE e depois quando sai XXXXX, ou seja no âmbito da qualidade do ar interior, quer nós queiramos quer não, tivemos que obrigar muitas classes profissionais, Arquitectos, Engenheiros Civis, Engenheiros Projectistas de água, esgotos, estruturas, estabilidade, etc, a falar uma única linguagem. E a única linguagem que lá era referida era procurar tornar os edifícios mais eficientes, e o ser mais eficiente, depois, começou a ser algo que começámos a sentir que em concursos públicos começou a ser valorizado. Em concursos privados, muitas vezes procurava-se: “olhe, tem que ser mais sustentável, seja lá o que isso for, portanto discutam, pensem isso enquanto equipa”. E o que eu senti é que depois houve muita necessidade de muitos Arquitectos, por exemplo com Engenheiros do Ambiente e com Engenheiros Civis, procurarem perceber o que é que cada área dos cadernos de encargo ou dos concursos, ou dos programas de trabalho definiam, ou mapa de quantidades, inclusivamente. O que é que diziam e qual era o objectivo. E o grande objectivo que nós tínhamos era procurar valorizar propostas, valorizarmos projectos que pudessem claramente enfatizar alguns aspectos em concreto que valorizassem os aspectos ambientais. Aí a grande mais valia que houve, nem sempre com a mesma linguagem porque nós sabemos que a linguagem técnica às vezes vai variando um bocadinho entre Arquitectos, entre Engenheiros… mas, o que nós procurávamos lá colocar eram peças escritas, peças desenhadas e mapas de quantidades que pudessem reflectir algumas dessas preocupações. Os Arquitectos naturalmente em matéria de estética e como é que a concepção de um edifício poderia gerar grandes mais-valias para o ambiente. Por exemplo, um engenheiro do Ambiente, um dos exemplos que lhe posso dar muito pragmático, era a escolha de materiais mais sustentáveis, materiais que pudessem ser reciclados na fase final de vida útil do edifício, procurar instalar novas tecnologias, painéis solares como há bocadinho também já tinha referido, reaproveitamento de águas de chuvas. Pode até eventualmente encarecer algum projecto à cabeça, isso é o clássico. É um clássico, todos nós ouvimos, queixamo-nos, e muitas vezes até não se conseguiam ganhar algumas dessas propostas. Mas muitas vezes o que nós percebíamos era que pode ser mais caro no acto de execução mas depois em matéria de pay-backs de investimentos, de retorno de investimento ao longo da vida útil de 5, 10, 15, 20, 30 anos torna-se bem mais barato. Há donos de obra que aceitam essa visão, há outros donos de obra como bem nós sabemos, e estamos em Portugal, estamos em Lisboa, que é o preço mais barato ponto final. Isto para lhe responder à pergunta, às vezes há casos em que houve sucesso, há casos em que não houve sucesso absolutamente nenhum. Tem sido um bocadinho caso a caso, de forma pragmática, várias soluções, várias medidas, algumas de acordo com a equipa toda, outras não. Não esquecendo também que nisto o arquitecto é sempre sobreano face à sua concepção do próprio edifício, de aceitar ou não muitas das medidas que lá estavam definidas. É uma equipa mas depois há sempre o chefe de projecto, que aceita ou não, incorpora ou não as respectivas medidas. Isto pensando no início, porque muitas vezes quando já está feito e temos que incorporar medidas um bocadinho «a pontapé» como nós sabemos, já está feito, temos que fazer rasgos, roços, temos que tentar fazer um alçapão, [para] este desvão sanitário já não temos espaço… Depois aí temos soluções que são pequenos remendos que procuraram fazer cosmética quando o resultado não é muito animador. É assim que nós vamos fazendo. Mas não é fácil, atenção. Estou a dar-lhe esta síntese mas nada disto tem sido absolutamente fácil. Cada projecto é um desafio. Agora temos é certas ideias que sabemos sempre que quando vamos para um concurso, para uma proposta, há certo tipo de medidas ou eixos estratégicos que nós temos que fazer. Na água, nos resíduos, na energia, nos materiais sustentáveis. Portanto, há eixos estratégicos. Depois, como implementar é que temos que perceber, a nível operativo, como é que essas acções vão ser desenvolvidas.

Tiago Rogado é engenheiro do ambiente há 18 anos. Tem coordenado vários estudos de impacto ambiental e desenvolvido planos de prevenção de gestão de resíduos de construção e demolição. Trabalhou para empresas de projectos e de arquitectura e também desenvolveu a sua actividade na área da fiscalização, não só a nível ambiental, como saúde e segurança no trabalho, em Portugal, Angola e Moçambique. E neste momento desenvolve funções enquanto vice-presidente da Associação Portuguesa de Engenharia do Ambiente, embora disponha de sua empresa privada onde desenvolve actividades de consultoria, formação, auditoria, também na área da construção sustentável.

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